A Matinta - Primeira Parte
Estela debruçada sobre o parapeito da janela com o olhar “seco” na busca de lágrimas para umedecer seus lindos olhos escuros e vim lhe trazer consolo e explicação para a perda prematura de seu único filho de dois anos, o lindo menino Gabriel. A criança morreu duas semanas atrás de febre tifóide; pois algo um tanto comum para um ribeirinho.
A casa de madeira próximo ao rio estava vazia sem os gritos, choros e gargalhadas do menino. Agora quem seria o seu companheiro nas noites? O marido morreu engolido por uma sucuri, que o derrubou de sua canoa enquanto puxava o puçá com o siri. O comentário entre os ribeirinhos corria longe; pois tudo isso acontecera na vida dela, por ter sido filha de Matinta Pereira e quando sua mãe Matinta morreu, não seguiu a sina. Mais como uma jovem mulher seguir tal sina? Ainda não completara nem trinta anos.
Um dia Estela foi até a beira do rio, soltou a corda da canoa subiu na mesma e começou a remar rio abaixo. Umas mulheres lavavam roupas na beira da ponte de madeira a viram remando. – Diacho, pra onde Estela vai? - Essa foi à pergunta que ficou sem resposta. No dia seguinte logo pela manhã dona Noronha foi até a casa de Estela, mas encontrou fechada, bateu por algum tempo, e nada; chegando a olhar pela greta. – “Valha-me Deus”, Estela sumiu. – Não demorou muito todos já sabiam do desaparecimento de Estela.
- Temos que ir até Belém para dar parte do sumiço dela.
- Larga de ser besta Raimundo, os “homem” não procuram os de lá, imagina os de cá! – Replica a mulher.
E assim passaram-se dias, semanas. As mulheres lavavam roupas na beira da ponte quando olham uma canoa à deriva, e gritam por ajuda. Não demorando muito uns caboclos aparecem, pegam outra canoa e remar até a que está à deriva; ao se aproximar olham dentro e só encontram uma blusa, saia e uma calcinha, eles se olham sem entender nada e voltam para margem rebocando a canoa com as tais roupas. – Essa roupa ai e da Estela, eu vi quando ela passou nessa canoa remando.
- Nossa Senhora de Nazaré, protege-nos, ela seguiu a sina da finada mãe. – Dona Noronha fazendo o sinal da cruz.
Ao anoitecer, todos fechavam suas casas com medo da Matinta Estela bater nas suas portas para pedir tabaco e caso isto venha acontecer a vila esvaziou o estoque de tabaco da “taberna” de seu Manuel, que ficou com o sorriso largo no rosto. As crianças dormiram cedo antes das 19hs00, não se ouvia um barulho a não ser dos grilos e alguns sapos. Os homens em sua casa ficavam deitados em suas redes esperando aquele assovio. Algumas mulheres preferiam ficar rezando diante da imagem de nossa senhora, iluminada pela luz de lamparina e assim foi muitas noites, e nada de Matinta ou algum assovio. Resolveram dar a Estela como morta ou a desculpa de que provavelmente foi engolida por uma sucuri, a famosa cobra grande.
A vila voltou a sua rotina normal, ninguém nem ao menos se lembrava de Estela. Numa noite Raimundo pescava de canoa no meio do rio, iluminado apenas pelo luar e a lamparina na proa da canoa. Algo puxou a linha.
- Isso, só espero, que não seja bacu. – Ele puxava a linha e nada, era algo mais forte do que ele até que arrebentou a linha de náilon. – Nossa senhora que forte, deve ter sido algum peixe-boi. - Raimundo resolveu remar para outro lado.
Atrás dele uma enorme cobra sai com boa parte do corpo da água. Na vila, algumas pessoas ouviram um grito longe.
- Antônio, acorda. – Balançando a rede dele.
- O que é mulher? – Sonolento.
- Alguém gritou longe...
- Deixa quieto deve ter sido tua mãe, que se espantou com a cara do teu pai, vai dormir e te embrulha por causa do carapanã.
- É sério homem.
O homem se vira e volta a dormir. Dona Antônia dormia sossegada quando bateu na porta. Ela se acorda e de sua rede olha para a porta. O medo toma conta, que chega a tremer até os punhos da rede. Outra vez batem. Os olhos arregalam-se. Batem novamente.
- Quem é? - Com a voz trêmula.
- Eu quero tabaco. – Alguém diz.
A respiração de dona Antônia fica ofegante de tanto medo mais mesmo assim levanta bem devagar. Passa pelo pinico perto da cadeira e apanha um maço de tabacos em rolado numa folha de jornal, engatado na “perna-manca” da parede. Caminha em direção à porta lentamente. Com uma das mãos solta à tramela e logo depois a segunda e passa o tabaco pela porta entre aberta. Dona Antônia vê a mão com unhas longas e sujas pegando o tabaco e sai correndo em direção ao mato. Dona Antônia fecha a porta rapidamente, sobe para rede e fica a se recuperar do que viu.
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